21 de set. de 2011

CANSADO

Estou cansado de estar cansado,
cansado de tanto enxergar;
cansado de ver o abnegado,
cansado de tanto cansar!
Da justiça segura e lenta;
dos acordos, do não ajuizar;
do insucesso de quem luta e tenta,
do que vence sem se esforçar.

Cansado de ver livres escravos,
da vil escravidão reprimida.
Dos tombos que levam os bravos;
da democracia enrustida.
Dos roubos cobertos de flores.
Das frases do que não é.
Das juras de falsos amores,
de gente atirando em seu pé.

Cansado da hipocrisia reinante,
dos selvagens civilizados;
do honesto que vive errante.
estou cansado dos cansados.
Exausto dos pretensos pensantes,
tão nobres frente aos animais;
dos inteligentes ignorantes,
dos crânios irracionais.

Cansado da política vil
dos corruptos de cara limpa;
dos coitados de um país varonil,
cansados da corja supimpa.
Do sabiá de manhã cantando
nos ramos que ainda restam;
dos jumentos ornejando,
pensando que ainda prestam.

Cansado dos leitos de pés d’ouro
com tantos dormindo no chão;
dos que distribuem o tesouro
roubando com a outra mão.
Das fezes a céu aberto,
do cheiro acre do esgoto;
dos que acreditam no certo,
do “idealista” que é um escroto.

Cansado do que deve e não paga.
Do que, não pagando, não nega.
Do coitado que na rua vaga,
crendo ainda que a justiça é cega.
Do irresponsável que achincalha,
do de boa fé que erra,
do mau que só avacalha;
cansado do bom que se ferra.

Cansado da música que destoa,
do livro que não se lê.
Dos profetas que rezam loas,
da chaga que não se vê.
Cansado da falsidade mundana
travestida de razão;
do líder de mente insana
que se pensa gigante, e é anão.

Cansado da enganação careta
de quem vive só fingindo.
Do bêbado na valeta,
do deputado sorrindo.
De padres, bispos, pastores,
de mentirosos de toda gama;
de tantos falsos atores,
dos que chafurdam na lama.

Cansado dos falsos colegas
que dizem que são amigos.
Dos vazios, dos ocos, dos piegas
se escapando dos perigos.
Dos carros e da fumaça,
do excremento no rio;
do que come, do que “traça”,
dos que se fingem no cio.

Cansado dos livros sagrados,
das crenças, seitas, quetais;
dos que se dizem irmanados
constrangendo os animais.
Dos abjetos profetas da glória,
dos conquistadores de terra e mar,
dos escrotos heróis da história,
dos que na lama, se pensam no ar.

Cansado de países, bandeiras;
de limites, fronteiras, da língua.
Dos soldados nas fileiras,
dos miseráveis à míngua.
Cansado de campos empestados,
das praias vertendo lixo,
dos matagais ressecados,
do marginal que semelha um bicho.

Do bárbaro que o ódio destila.
Do que jura amor, se diz irmão.
Da falsidade que grassa tranqüila
e do crescer da ingratidão.
Dos ouvidos que escutam,
dos olhos que dizem ver;
dos que desdenham, labutam;
dos descrentes que dizem crer...

Cansado de belas mensagens,
das vivas ao otimismo.
Dos que de costas, nas paisagens,
sequer enxergam o abismo.
Dos euros, das libras, dos ouros,
dos países em decadência.
Dos que nos roubam tesouros
sem ligar para a decência.

Dos amores prometidos,
das promessas descumpridas,
dos sentimentos enrustidos,
das convicções reprimidas.
Da aldeia global e irmanada
e do gado que anda na rua:
dos que tangem a manada,
fingindo viver na lua.

Dos tolos que se acham sábios
e dos que sabendo se calam.
Dos jornais, dos alfarrábios
que só desgraça exalam.
Dos que multiplicam e dividem;
dos que lêem o que não escrevem.
Dos que afagando, agridem;
dos que temendo, não devem.

Até mesmo do cansaço
confesso, cansado estou!
De cultivar nervos de aço,
cansado de ser o que sou.
Cansado de Deus, do diabo,
dos sonhos e da realidade;
dos que ignoram seu rabo,
dos que desprezam a verdade.

Cansado da burrice que impera,
da rua entupida de asneira;
dos sonhos e da quimera,
cansado de ouvir besteira.
Do próprio cansaço, cansado,
esmorecido de tanto teimar!
Teimando, me sinto abobado,
Cansado de tanto cansar!

5 de set. de 2011

BEBEDEIRA

Difícil de dizer...
Coisas que são difíceis de dizer quando você está  bêbado:
Indubitavelmente
Preliminarmente
Proliferação
Inconstitucional
Coisas que são extremamente difíceis de dizer quando você está bêbado:
Especificidade
Transubstanciado
Verossimilhança
Três tigres
Coisas que são totalmente impossíveis de dizer quando você está bêbado:
- Meu Deus, que mulher feia!
- Chega, já bebi demais.
- Sai fora, você não é do meu tipo...


A morte do Marcão
Marcão era um antigo funcionário de uma cervejaria. Ele era feliz no trabalho, embora seu sonho fosse ser degustador de cerveja, bebida que adorava. Certa vez, no turno da noite, ele caiu dentro de um tonel de cerveja. Pela manhã, o vigia deu a triste notícia:
- É com profundo sofrimento que informo que o Marcão se desequilibrou, caiu no tonel de cerveja e morreu afogado.
Um grande amigo de Marcão com a voz muito triste pergunta:
- Meu Deus! Será que ele sofreu?
O vigia então responde:
- Acredito que não, porque, segundo as imagens da câmera de segurança, ele chegou a sair três vezes do tonel para mijar...


Diversas de bebuns...
- Por que é que você bebe?
- Para afogar as mágoas!
- E resolve?
- Que nada! Elas aprenderam a nadar!

CARÁTER E AMOR PRÓPRIO


Somos todos mortais até o primeiro beijo e o segundo copo de vinho. (Eduardo Galeano)

Nenhum pássaro voará alto demais se estiver voando por suas próprias asas. (William Blake)

Aquele que não gosta de si próprio, geralmente tem razão. (Coco Chanel)

Querer que exista amor sem que haja antes o amor-próprio, é como querer o dia sem que haja antes a noite. (Roberto Curt Dopheide)

Saber resistir à violência é forte, mas vulgar; saber resistir à calúnia e aos motejos é maior esforço, e mais raro. (Alexandre Herculano)


1 de set. de 2011

AMOR RIMA COM PAI

Sento-me em silêncio. Teu semblante me vem à lembrança.
Custo tanto crer que você também já foi criança!
Cada ruga do rosto, cada cabelo branco guarda histórias
que o passar dos anos foi transformando em memórias.

Quantos romances guardam, quantas lágrimas, risos e lições?
E tuas mãos, quantas obras fizeram, quantas boas ações?
Quanto brilho despertaste em meus orgulhosos olhos de guri,
que dói-me tanto, agora, não ter-te comigo aqui?

Donde, com pouco estudo, conseguiste tanta sabedoria?
Donde os conselhos, o carinho, o amor, a alegria?
Pergunto: De que santa essência afinal se faz um pai
que, vivamos mil anos, do pensamento nunca sai?

Lembranças! A bola, a bicicleta, o rolimã, o papagaio.
Nas minhas falhas, um bondoso olhar de soslaio...
O entrever de meus mais secretos pensamentos;
o alento aos problemas, o acalmar de meus tormentos!

Quantas dívidas pagaste, quanto sono te foi perdido?
Quantos sonhos abandonaste, meu velho pai querido?
Quantas lágrimas secretas e invisíveis tua face viu rolar?
Quantas palavras a sensatez de um coração de ouro fez calar?

Este foste tu, meu pai querido, em pensamento injustiçado
tantas vezes, em minha ingênua adolescência. E, malgrado,
achando o jovem filho saber tudo, hoje vê-se, não sabia nada!
Sem tua bússola, quão mais difícil teria sido a caminhada!

Terei conseguido, como pai, aplainar tão bem os caminhos
de meus próprios filhos, afastando alguns espinhos?
Talvez cada ser humano, em seu âmago mais profundo,
tenha certeza de ser seu pai, o artífice do mundo.

Donde obter os conceitos de justiça, liberdade, retidão?
Onde colher os valores da generosidade, da tolerância, do perdão,
senão no caráter ditoso e forte de um pai de fibra e brilho,
vibrante a cada passo justo e honesto de seu filho?

Sinto, entretanto, meu velho, que bem oculto algo me escondestes.
Não sei bem onde, se no baú, no sótão, no bolso ou nas vestes...
Eu achava ser esperto, mostrava-te as boas ações e escondia o mal.
Fala a verdade, pai querido: tinhas guardada uma bola de cristal!

A tudo se atreve o tempo, já dizia padre Vieira...
e transcorreram, a tua e a minha vida de forma tão ligeira!
Cadê a atiradeira, a pandorga, o pião, a bola, o carrinho?
Por que foi-se tudo isso e só eu fiquei aqui sozinho?

Sim, é certo, estava escrito, até ao mármore o tempo se aventura.
“Do pó vieste, ao pó tornarás”, está nas folhas da escritura.
Mas pela lembrança de um pai, mesmo aos deuses se engana.
Foste meu porto, ontem e hoje, por toda minha vida insana!

Te foste. Foi-se a sabedoria, a bola de cristal. Ficou a lembrança.
O corpo é cinza e se foi. Ficou sozinha aqui meu pai, tua criança.
Tua criança que amastes. Te foste, como tudo, afinal, se vai.
Mas te afianço: sempre em minha vida, amor rimará com pai!

Roberto Curt Dopheide, agosto 2010.

CAMBALACHO

"CAMBALACHE" - Fora da Lei - Raul Seixas (versão)

Que o mundo foi e será uma porcaria eu já sei... em 506 e em 2000 também.
Que sempre houve ladrões, maquiavélicos, safados,
Contentes e frustrados, valores, confusão...
Mas que o século vinte é uma praga de maldade e lixo, já não há quem negue.
Vivemos atolados na lameira e no mesmo lodo, todos manuseados!

Hoje em dia dá no mesmo ser direito que traidor...
Ignorante, sábio, besta, pretensioso, afanador...
Tudo é igual, nada é melhor.
É o mesmo um burro que um bom professor, sem diferir, é sim senhor!
Tanto no norte ou como no sul;
Se um vive na impostura... ou profana sua missão.
Dá no mesmo seja padre, carvoeiro, rei de paus, cara-dura ou senador!

Que falta de respeito, que afronta com a razão!
Qualquer é um "senhor", qualquer é um ladrão!
Misturam-se Beethoven, Ringo Starr e Napoleão
E o nobre Dom Juan, John Lennon e San Martín.
Igual como uma frente de vitrine esses bagunceiros se misturam à vida!
Feridos como sabres já sem ponta, vão chorar a bíblia junto ao aquecedor!

Século XX "Cambalache" problemático e febril.
Quem não chora não mama, quem não rouba é um imbecil...
Já não dá mais.... força que dá!...
Que lá no inferno nos vamo' encontrar...
Não penses mais, senta-te ao lado!
Que a ninguém importa se nasceste honrado!
Se é o mesmo que trabalha noite e dia como um boi
Se é o que vive na fartura, se é o que mata, se é o que cura
Sou mesmo um fora-da-lei!...
(Letra e música original de Enrique Santos Discépolo, 1935)

PEDRO II E DONA AMÉLIA

(Antes de embarcar para Portugal, acompanhando D. Pedro I, ambos então apenas Duques de Bragança, em vista do falecimento de D. João VI, deixou D. Amélia de Leuchtenberg Eichstaedt e Bragança – austríaca de nascimento – a carta abaixo, dirigida ao pequeno D. Pedro II, filho do casamento anterior de D. Pedro I, que enviuvara, e então com 5 anos, que ficava no Brasil como sucessor do pai.) É de uma beleza e linguajar ímpar, ainda mais considerando a nacionalidade da autora. Quantos de nossos dirigentes políticos atuais, quantas primeiras damas saberiam tecer um texto com tanta ternura e num português tão correto?


“Adeus, menino querido, delícia de minh’alma, alegria de meus olhos, filho que meu coração tinha adotado; adeus, para sempre, adeus! Quanto és formoso, neste teu repouso. Meus olhos chorosos não se podem fartar de te contemplar; a majestade de uma coroa, a debilidade da infância, a inocência dos anjos cingem tua engraçadíssima fronte de um resplendor misterioso, que fascina a mente.

Eis o espetáculo mais tocante que a Terra pode oferecer. Quanta grandeza, quanta fraqueza a humanidade encerra, representada por uma criança. Uma coroa e um brinco, um trono e um berço! A púrpura ainda não serve senão para estofo e aquele que comanda exércitos e rege um império carece de todos os desvelos de uma mãe.

Ah!, querido menino, se eu fosse tua verdadeira mãe, se minhas entranhas te houvessem concebido, nenhum poder valeria para me separar de ti, nenhuma força te arrancaria de meus braços. Prostrada aos pés daqueles mesmos que abandonaram meu esposo, eu lhes diria entre lágrimas: ‘Não vede mais em mim a Imperatriz, mas uma mãe desesperada. Permiti que eu vigie nosso tesouro. Vós o quereis seguro e bem tratado e quem o haveria de guardar e cuidar com maior devoção?  Se não posso ficar a título de mãe, eu serei sua criada ou sua escrava.’

Mas tu, anjo de inocência e de formosura, não me pertences senão pelo amor que dediquei ao teu augusto pai; um dever sagrado me obriga a acompanhá-lo em seu exílio, através dos mares e terras estranhas. Adeus, pois, para sempre, adeus!

Mães brasileiras, vós que sois meigas e afagadoras de vossos filhinhos, a par das rolas de vossos bosques e dos beija-flores das campinas floridas, supri minha voz; adotai o órfão coroado, dai-lhe todo um lugar em vossa família e em vosso coração.

Ornai seu leito com as folhas do arbusto constitucional, embalsamai-o com as mais ricas flores de vossa eterna primavera, entrançai o jasmim, a baunilha, a rosa, o cinamomo, para coroar a mimosa testa, quando o pesado diadema de ouro o houver machucado.

Alimentai-o com a ambrosia das mais saborosas frutas: a ata, o ananás, a cana melíflua; acalentai-o à suave entoada de vossas maviosas modinhas. 
                                                            
Afugentai para longe de seu berço as aves de rapina, a sutil víbora, as cruéis jararacas e também os vis aduladores, que envenenam o ar que se respira nas Cortes.

Se a maldade e a traição lhe prepararem ciladas, vós mesmas armai em sua defesa vossos esposos, com a espada, o mosquete e a baioneta. Ensinai à sua voz tenra as palavras de misericórdia, que consolam o infortúnio, as palavras de patriotismo, que exaltam as almas generosas e, de vez em quando, sussurrai a seu ouvido o nome de sua mãe de adoção.

Mães brasileiras, eu vos confio este preciosíssimo penhor de felicidade de vosso país e de vosso povo; ei-lo tão belo e puro como o primogênito de Eva no paraíso. Eu vo-lo entrego agora e sinto minhas lágrimas correrem com menor amargura. Ei-lo adormecido.

Brasileiras, eu vos imploro que não o acordeis antes que eu me retire. A boquinha, molhada de meu pranto, ri-se à semelhança do botão de rosa ensopado do orvalho matutino. Ele ri e o pai e a mãe o abandonam para sempre.

Adeus, órfão Imperador, vítima de tua grandeza, antes que a saibas conhecer. Adeus, anjo de inocência e de formosura, adeus!

Toma este beijo, e este...  e este último. Adeus para sempre, adeus!”

ass.: Amélia, Duquesa de Bragança.

(extraído do Dicionário “História do Brasil”)

O TREM DE FERRO

Num trem, em grande disparada,
pai e filho corriam e ambos o que viam?

As montanhas, os montes, os horizontes,
O matagal cerrado, os penedos, os rochedos, os arvoredos...
Tudo a correr com a rapidez do vento tresloucado!
E o trem, que era, em verdade, o que corria,
Parecia estar parado!

A criança, o petiz, cheio de espanto, lhe perguntou:
- "Papai! Por que é que tudo, ao longe, está correndo tanto
e o trem daqui não sai?"

Os passageiros riam, pois sabiam que o petiz se enganava!
O trem, que parecia estar imóvel,
Era, de fato, o que corria e voava.

Dos passageiros todos, um somente nem de leve sorriu.
E, então, os passageiros riam dele, porque ele não riu!
E o poeta (era um poeta...) disse então:
- É natural, senhores, o engano do petiz iludido:
Muitas vezes, a nós a mesma coisa já tem acontecido.

E vós, ó meus senhores, os cientistas, os sábios, os doutores,
Caís no mesmo engano lisonjeiro.
Pois, afinal, todos nós nos enganamos,
Quando, todos os dias, exclamamos:
-"Como é que o tempo passa tão ligeiro!"
Quando nós é que passamos!

(Catulo da Paixão Cearense)