1 de set. de 2011

AMOR RIMA COM PAI

Sento-me em silêncio. Teu semblante me vem à lembrança.
Custo tanto crer que você também já foi criança!
Cada ruga do rosto, cada cabelo branco guarda histórias
que o passar dos anos foi transformando em memórias.

Quantos romances guardam, quantas lágrimas, risos e lições?
E tuas mãos, quantas obras fizeram, quantas boas ações?
Quanto brilho despertaste em meus orgulhosos olhos de guri,
que dói-me tanto, agora, não ter-te comigo aqui?

Donde, com pouco estudo, conseguiste tanta sabedoria?
Donde os conselhos, o carinho, o amor, a alegria?
Pergunto: De que santa essência afinal se faz um pai
que, vivamos mil anos, do pensamento nunca sai?

Lembranças! A bola, a bicicleta, o rolimã, o papagaio.
Nas minhas falhas, um bondoso olhar de soslaio...
O entrever de meus mais secretos pensamentos;
o alento aos problemas, o acalmar de meus tormentos!

Quantas dívidas pagaste, quanto sono te foi perdido?
Quantos sonhos abandonaste, meu velho pai querido?
Quantas lágrimas secretas e invisíveis tua face viu rolar?
Quantas palavras a sensatez de um coração de ouro fez calar?

Este foste tu, meu pai querido, em pensamento injustiçado
tantas vezes, em minha ingênua adolescência. E, malgrado,
achando o jovem filho saber tudo, hoje vê-se, não sabia nada!
Sem tua bússola, quão mais difícil teria sido a caminhada!

Terei conseguido, como pai, aplainar tão bem os caminhos
de meus próprios filhos, afastando alguns espinhos?
Talvez cada ser humano, em seu âmago mais profundo,
tenha certeza de ser seu pai, o artífice do mundo.

Donde obter os conceitos de justiça, liberdade, retidão?
Onde colher os valores da generosidade, da tolerância, do perdão,
senão no caráter ditoso e forte de um pai de fibra e brilho,
vibrante a cada passo justo e honesto de seu filho?

Sinto, entretanto, meu velho, que bem oculto algo me escondestes.
Não sei bem onde, se no baú, no sótão, no bolso ou nas vestes...
Eu achava ser esperto, mostrava-te as boas ações e escondia o mal.
Fala a verdade, pai querido: tinhas guardada uma bola de cristal!

A tudo se atreve o tempo, já dizia padre Vieira...
e transcorreram, a tua e a minha vida de forma tão ligeira!
Cadê a atiradeira, a pandorga, o pião, a bola, o carrinho?
Por que foi-se tudo isso e só eu fiquei aqui sozinho?

Sim, é certo, estava escrito, até ao mármore o tempo se aventura.
“Do pó vieste, ao pó tornarás”, está nas folhas da escritura.
Mas pela lembrança de um pai, mesmo aos deuses se engana.
Foste meu porto, ontem e hoje, por toda minha vida insana!

Te foste. Foi-se a sabedoria, a bola de cristal. Ficou a lembrança.
O corpo é cinza e se foi. Ficou sozinha aqui meu pai, tua criança.
Tua criança que amastes. Te foste, como tudo, afinal, se vai.
Mas te afianço: sempre em minha vida, amor rimará com pai!

Roberto Curt Dopheide, agosto 2010.

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