1 de set. de 2011

PEDRO II E DONA AMÉLIA

(Antes de embarcar para Portugal, acompanhando D. Pedro I, ambos então apenas Duques de Bragança, em vista do falecimento de D. João VI, deixou D. Amélia de Leuchtenberg Eichstaedt e Bragança – austríaca de nascimento – a carta abaixo, dirigida ao pequeno D. Pedro II, filho do casamento anterior de D. Pedro I, que enviuvara, e então com 5 anos, que ficava no Brasil como sucessor do pai.) É de uma beleza e linguajar ímpar, ainda mais considerando a nacionalidade da autora. Quantos de nossos dirigentes políticos atuais, quantas primeiras damas saberiam tecer um texto com tanta ternura e num português tão correto?


“Adeus, menino querido, delícia de minh’alma, alegria de meus olhos, filho que meu coração tinha adotado; adeus, para sempre, adeus! Quanto és formoso, neste teu repouso. Meus olhos chorosos não se podem fartar de te contemplar; a majestade de uma coroa, a debilidade da infância, a inocência dos anjos cingem tua engraçadíssima fronte de um resplendor misterioso, que fascina a mente.

Eis o espetáculo mais tocante que a Terra pode oferecer. Quanta grandeza, quanta fraqueza a humanidade encerra, representada por uma criança. Uma coroa e um brinco, um trono e um berço! A púrpura ainda não serve senão para estofo e aquele que comanda exércitos e rege um império carece de todos os desvelos de uma mãe.

Ah!, querido menino, se eu fosse tua verdadeira mãe, se minhas entranhas te houvessem concebido, nenhum poder valeria para me separar de ti, nenhuma força te arrancaria de meus braços. Prostrada aos pés daqueles mesmos que abandonaram meu esposo, eu lhes diria entre lágrimas: ‘Não vede mais em mim a Imperatriz, mas uma mãe desesperada. Permiti que eu vigie nosso tesouro. Vós o quereis seguro e bem tratado e quem o haveria de guardar e cuidar com maior devoção?  Se não posso ficar a título de mãe, eu serei sua criada ou sua escrava.’

Mas tu, anjo de inocência e de formosura, não me pertences senão pelo amor que dediquei ao teu augusto pai; um dever sagrado me obriga a acompanhá-lo em seu exílio, através dos mares e terras estranhas. Adeus, pois, para sempre, adeus!

Mães brasileiras, vós que sois meigas e afagadoras de vossos filhinhos, a par das rolas de vossos bosques e dos beija-flores das campinas floridas, supri minha voz; adotai o órfão coroado, dai-lhe todo um lugar em vossa família e em vosso coração.

Ornai seu leito com as folhas do arbusto constitucional, embalsamai-o com as mais ricas flores de vossa eterna primavera, entrançai o jasmim, a baunilha, a rosa, o cinamomo, para coroar a mimosa testa, quando o pesado diadema de ouro o houver machucado.

Alimentai-o com a ambrosia das mais saborosas frutas: a ata, o ananás, a cana melíflua; acalentai-o à suave entoada de vossas maviosas modinhas. 
                                                            
Afugentai para longe de seu berço as aves de rapina, a sutil víbora, as cruéis jararacas e também os vis aduladores, que envenenam o ar que se respira nas Cortes.

Se a maldade e a traição lhe prepararem ciladas, vós mesmas armai em sua defesa vossos esposos, com a espada, o mosquete e a baioneta. Ensinai à sua voz tenra as palavras de misericórdia, que consolam o infortúnio, as palavras de patriotismo, que exaltam as almas generosas e, de vez em quando, sussurrai a seu ouvido o nome de sua mãe de adoção.

Mães brasileiras, eu vos confio este preciosíssimo penhor de felicidade de vosso país e de vosso povo; ei-lo tão belo e puro como o primogênito de Eva no paraíso. Eu vo-lo entrego agora e sinto minhas lágrimas correrem com menor amargura. Ei-lo adormecido.

Brasileiras, eu vos imploro que não o acordeis antes que eu me retire. A boquinha, molhada de meu pranto, ri-se à semelhança do botão de rosa ensopado do orvalho matutino. Ele ri e o pai e a mãe o abandonam para sempre.

Adeus, órfão Imperador, vítima de tua grandeza, antes que a saibas conhecer. Adeus, anjo de inocência e de formosura, adeus!

Toma este beijo, e este...  e este último. Adeus para sempre, adeus!”

ass.: Amélia, Duquesa de Bragança.

(extraído do Dicionário “História do Brasil”)

Um comentário:

Dinah disse...

Linda e emocionante carta, de um valor inestimável. Será que as jovens brasileiras hoje entendem e suportariam dessa forma a responsabilidade e a carga emocional que aquela jovem de 19 anos suportou?